domingo, 28 de setembro de 2014

LANÇAMENTO DO LIVRO: 

A CRIMINOLOGIA DO COTIDIANO 

Crítica às questões humanas através das charges de Carlos Latuff



Tenho o prazer de apresentar a obra que coordeno juntamente com grandes nomes do Direito do Brasil hoje. 
A presente obra funda-se na Criminologia Crítica e, consequentemente, na quebra dos rótulos e estigmas, tentando patrocinar a transdisciplinaridade Embora, poucos livros abordam as engrenagens de controle ou a sociedade punitivista utilizando recursos estranhos à academia, aqui recorre-se a expedientes que fogem do saber puramente científico. Com charges e sua interseção com a criminologia, tenta-se pintar, literalmente, o cotidiano com as pesadas tintas que lhe são peculiares.
Este livro traz estas tais “tintas pesadas” que escorrem pelas mãos do artista Latuff. Seus desenhos são aqui o ponto de partida, onde cada autor traz sua vivência e seu ponto de vista, nunca limitando a crítica implícita na arte, mas estendendo e potencializando-a.
A popularização da Criminologia é um passo inevitável que deve ser tentado, porque não há crítica contra o sistema político, econômico, jurídico ou social que mereça crédito se a ciência que a defende não for, em sua essência, manifestadamente democrática e agregadora.
Portanto, o protagonismo desta obra reside nos desenhos e na criminologia que insiste em se impregnar em cada personagem desenhado, que persiste em transbordar cada linha, levando o leitor a posição incômoda de refletir o seu cotidiano e sua responsabilização frente ao mundo. Aliás, o leitor deve ter ciência que a obra se constrói de maneira marginal, uma vez que peregrina por discursos não oficiais, ousando destoar do lugar comum. Sem a petulância de apresentar respostas ou soluções, mas acreditando na possibilidade de fomentar algum debate e admitindo as falhas em todos os discursos.
Muitos afirmam que a criminologia vive um momento de crise, no entanto a verdade é que a crise é intrínseca ao pensamento criminológico, faz parte de sua estrutura e também é seu combustível. É a partir da crise que se busca a crítica, tanto da sociedade como da própria ciência. Na junção entre criminologia e charge evidenciamos nossa crise, demonstramos que na incapacidade da palavra, os traços do artista gritam mais alto. Se o Direito Penal é narcisístico, a Criminologia, pelo contrário, deve ter sempre a consciência de suas incongruências e limitações. Nada mais dessacralizador que a junção de uma ciência com uma arte que encontra nos traços a sua verbalização.
Neste cenário, onde a Criminologia admite suas restrições, é imperativo que não se furte do cotidiano que a cerca, pois é nele que reside a fonte de interpretação de nossa sociedade, as questões humanas pulsam em cada rua e devem ser decifradas.
A criminologia do cotidiano que aqui discorremos, pauta-se na perspectiva de cada autor, de sua subjetividade e sua singularidade, portanto leitor: não busque unidade de pensamentos ou defesas dos mesmos pontos de vista, o cotidiano é perspectiva, aparência, é mutável e líquido. Portanto, os desenhos dizem uma coisa, os artigos devem dizer outra e a sua interpretação irá discordar dos dois, mas no final o que restará será a crítica e a evidência que sim, estamos em crise! Mas a saída se faz distante do senso comum que nos bombardeiam diariamente.


Prefácio de Vera Malaguti Batista


Este livro, que reúne um conjunto de jovens autores, organizado por Rubens Correia Junior, já tem no seu título características sediciosas. A criminologia do cotidiano aqui aparece como o revés daquilo que David Garland assim denominou, referindo-se a uma criminologia do senso comum, construída dia a dia pelos grandes meios de comunicação. Ao destilarem seu veneno devagar, nos noticiários, novelas e seriados, essas grandes corporações produzem demanda subjetiva por pena e extermínio, atividades fundamentais para o controle social hard que o capitalismo de barbárie necessita em seu estado de ruínas.  Marildo Menegat e Paulo Arantes nos ajudaram a entender o caráter regressivo desse modelo que tenta, como nunca, ter hegemonia global. O outro discurso sedicioso é referir-se à questão humana, muito mais densa e intangível que a questão criminal.
O livro vai na contramão disso tudo e é no traço de Latuff que somos convocados à crítica, à indignação e ao desejo de mudança. Esse artista gráfico já evoca o nosso olhar para esses sentimentos. Já reconhecemos seu desenho como linhas amigas, companheiras dessa trincheira difícil que está na defesa dos pobres e dos resistentes contra o sistema penal e o poder punitivo. Carlos Latuff personifica essa resistência às opressões cotidianas e brutalizantes que o capital impõe ao povo pobre.
Esse conjunto de artigos fortalece nossos argumentos político-criminais. Alexandre Morais da Rosa põe o dedo na ferida: o sensacionalismo da imprensa explora o consenso do crime em nome do lucro. Não pode haver síntese mais precisa que essa. Antônio Pedro Melchior analisa a questão agrária no Brasil sob as lentes da desobediência civil. Ele nos recorda as lindas palavras de Che Guevara tornando inseparáveis o amor e a insurgência revolucionária. Carla Aparecida Ventura trata das relações entre movimentos sociais e direitos humanos, convidando-nos a renovar nossos olhares pelos paradoxos e porvires que a temática pede. Gerivaldo Alves Neiva transita pelos caminhos da liberdade e da poesia para nos reapresentar o eterno Lampião, politizado e estetizado para o futuro por Chico Science. Gustavo Silva Calçado nos debruça sobre a “frustrante história de normatizar as condutas sociais”: esta equação já revela a eterna utopia do sistema jurídico-penal, reduzir a crime e castigo toda a conflitividade humana, despolitizando-a. Rubens Correia Junior, além da organização, nos brinda com artigo desvelador da natureza profilática e segregacionista da política criminal de drogas em curso, associando com finura criminológica o usuário de drogas à figura do bode expiatório.
Rubens Casara, com a autoridade e a potência que sua vida acadêmica e profissional sustenta, trabalha com as intrínsecas relações entre a segurança pública, o fascismo e o estado de polícia. Ilzver de Matos Oliveira se adentra no território histórico da criminalização, perseguição e tentativas de neutralização da afro-religiosidade no Brasil. Jose Luiz Quadros de Magalhães analisa as profundas relações de violência para a constituição do Estado moderno no Brasil, na perspectiva realista marginal que nos apresentou Zaffaroni. Leandro Gornick Nunes percorre as densas trilhas da psicanálise enriquecendo a reflexão da criminologia crítica na análise das violentas relações de alteridade. Luiz Carlos Valois, desnuda com fina leitura a figura tão familiar da policização da justiça e do estado de polícia: o juiz criminal, armado e militarizado.
Murillo Sapia Gutier trabalha o direito coletivo indígena a partir de uma perspectiva histórica e crítica na direção de um reconhecimento pleno dos direitos dos povos originários. Riccardo Cappi nos propõe uma “criminologia compreensiva” no encaminhamento político da questão criminal no Brasil. 
Marcelo Semer aponta os nexos estruturais e sócio-históricos entre desigualdade e direito penal. Foucault já nos havia ensinado a função oculta dos sistema penais: gerir diferencialmente as ilegalidades populares. Marcio Sotelo Felippe problematiza os crimes da ditadura e seu encaminhamento atual no complexo eixo da solução pela punição. Tatiana Ribeiro de Souza adentra as zonas cinzentas e o estatuto dos “muçulmanos” nos campos de concentração. Seu texto aponta a torturante contemporaneidade dos argumentos nazistas para os dilemas da “segurança”. Tulio Viana e Cynthia Semíramis apresentam inovadora e consistente análise do reconhecimento jurídico dos relacionamentos monogâmicos, no diapasão da judicialização da vida, como contraponto à plena liberdade dos homens.
Enfim, esse poderoso livro reúne escritos libertários e homenageia a estética militante de Carlos Latuff. São esses trabalhos e esses autores que pavimentam os difíceis caminhos para a resistência a esses tempos soturnos. Além disso, nos trazem alento e conforto, provisões e munições, esperança de outros futuros.

SUMÁRIO